Não entendi...
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Não que faça de propósito ou tenha pedido lugar reservado à porta do emprego, mas a verdade é que todos os dias estaciono o carro no mesmo lugar, mais precisamente entre o jipe do meu ex-vizinho Gérard e o jipe do barbeiro “Nicolas”.
Todos os dias sem excepção.
Com excepção dos dias em que venho de autocarro e por isso não estaciono coisíssima nenhuma.
Mas hoje, para além do direito ao estacionamento privilegiado, também tive direito a uma conversa automobilística surreal. Assim como um excerto de Twillight Zone logo pelas 8h30 da manhã.
Pisca para sinalizar a intenção de estacionar (numa cidade em que andam todos à procura de lugar como leões na selva africana, quando se vê um lugar ganha quem puser o pisca primeiro – ou quem lá enfiar o carro), marcha atrás, desfazer marcha atrás, chegar à frente, travão de mão, desligar motor, desligar rádio, recolher retrovisores (um dia destes disserto sobre o trauma do retrovisor, mas deixar os retrovisores para fora é estar a pedir para ter uma má surpresa ao regressar à viatura), desligar carro, sair do carro para ir buscar a mala que está no banco de trás….
Normalmente deveria seguir-se o: agarrar na mala, fechar porta, trancar carro e ir trabalhar… Mas não hoje. Não. Hoje tinha de haver circo.
Portanto, ir buscar a mala que está no banco de trás e :
- Vai sair?
- Não, acabei agora de estacionar.
Agarrar na mala, fechar a porta… Mas porque raio é que o carro ainda está aqui ao meu lado?
- Vai demorar muito?
- Vou, só saio perto das 17h.
Trancar o carro, dirigir-me para a porta da empresa e…
- Ooooolhe! Meninaaaaa!
- Siiim?! (suspiro mental e provavelmente revirar de olhos que estou a perder mais tempo para entrar no prédio que para atravessar meia cidade em hora de ponta)
- E não se pode despachar mais depressa??
- Hum?!?
(sim, acho que disse mesmo “hum”)
- Se não se pode despachar mais depressa… para eu estacionar nesse lugar.
Bom, nesta altura o suspirar mental já passou a ser um suspirar físico.
O barbeiro Nicolas vem à porta e pergunta o que se passa. Conto-lhe em duas frases e em voz baixa e ele franze o sobrolho, olha de soslaio para o condutor-abécula, abana a cabeça e responde-me: “está a meter-se contigo…”. Olho eu para o condutor-abécula. Não, ninguém com uma “fronha” daquelas tem coragem para brincadeiras espirituosas dessas…
- Olhe, ali atrás há dois lugares vagos.
(não sei porquê achei que lhe mostrar dois lugares a 100 metros surtiria algum tipo de efeito. Achei mal.)
- E não se importa de mudar de lugar?
- Não é para eu mudar de lugar. Eu já estacionei. É para você ir estacionar.
- Aaaaah. Vai demorar é?
Silêncio.
Gargalhadinhas do Monsieur Nicolas.
- Vou demorar vou. Já só tiro o carro amanhã.
- Aaaaaaaaaaaah. Então eu estaciono ali atrás.
Silêncio. Até tenho medo de abandonar o carro com este exemplar da nossa espécie ao lado.
- Bom então é favor circular que está a empatar o trânsito!
O simpático barbeiro sai-se com esta frase para me vir salvar deste diálogo. Convém notar que não há trânsito. Não houve nem há um único carro atrás deste senhor.
Condutor-abécula olha pelo retrovisor. Pede desculpa pelo retrovisor.
Eu nesta altura até chego o pescoço à frente para ver se vejo o carro fantasma, e o Monsieur Nicolas até tira os óculos caso estejam embaciados e a dificultar-lhe a visão.
Vruuuuuum. Arrancou e não apareceu mais.
Sim que eu ainda esperei coisa de cinco minutos, não fosse ele aparecer e me roubar os pneus ou os retrovisores, ou transformar o carro em Cabriolet descapotável…
Decididamente. Não entendi…