Quando eu era criança

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Quando eu era criança diziam-me o que vestir. Por vezes gostava do que escolhiam por mim, por vezes odiava – mas vestia na mesma. Nos dias de festa, usava sapatos de festa, vestido de festa e uma fita parva na cabeça – porque era assim que as meninas iam aos casamentos, e aos aniversários de familiares. Portava-me bem (tão bem como se pode esperar de uma criança rodeada de primos) não chorava nem fazia birras porque não gostava dos sapatos ou das meias ou da comida. Porquê? Porque os meus pais me tinham dito que era assim.

Quando eu era criança comia o que me serviam. Obviamente não gostava de peixe cozido, nem de sopa de cenoura, nem de feijão verde – mas comia. Acompanhavam-se as refeições com água – muitas vezes da torneira. Raramente havia sobremesa durante a semana – podia comer uma peça de fruta depois da refeição. Não me recusava a comer, não me contavam histórias à mesa nem me cantavam cantilenas para me convencerem a comer. Sentava-me direita, comia de faca e garfo e quando ainda não chegava à mesa punham-me listas telefónicas na cadeira para eu ficar mais alta. Não tinha de comer ao colo para estar confortável ou me portar bem. Comia com os “grandes”, não era posta numa mesa à parte para me poder comportar como um animal selvagem sem perturbar os adultos. Não perguntava o que era a sobremesa, e muito menos exigia que houvesse uma. Porquê? Porque os meus pais me tinham dito que era assim.

Quando eu era criança, os pais chamavam os filhos e os filhos iam ter com os pais e diziam “Sim mamã/papá/avó/tio”. Não se respondia “hã”, nem “o quê”, nem se reclamava de nos chamarem – sobretudo não se ignorava quem nos chamava. Porquê? Porque os meus pais me tinham dito que era assim.

Quando eu era criança, as crianças eram crianças e os adultos eram adultos. Os adultos mandavam e decidiam e as crianças obedeciam. Porquê? Porque os adultos sabiam mais do que as crianças.

Foi assim que cresci – por vezes vestida com roupa de que não gostava, por vezes alimentada a comida que não apreciava. Não fiquei traumatizada nem fui infeliz. Limitei-me a ser criança. E à medida que fui crescendo, as minhas opiniões passaram a ser ouvidas e respeitadas porque era “crescida”, porque já não era criança.

Quando eu era criança… os pais era Pais e não tinham medo das crianças.

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